A Busca da Verdade: Fé, Razão e Humildade
Do rigor científico à entrega pascal, a verdade é uma só — e se alcança pela humildade que anima tanto a ciência quanto a fé.
Indissociável da medicina, a racionalidade científica busca a verdade. Pobre do médico que abandona ou ignora seus preceitos, pois deixa sua racionalidade à mercê dos interesses mercadológicos ou do charlatanismo. O cientista sensus litteralis crê que a verdade precisa continuamente ser revista, ressignificada, amadurecida. A verdade é uma busca permanente, não é estática, é dinâmica.
Os feriados cristãos são momentos de suspensão do labor cotidiano, nunca apenas para um descanso físico, sendo que a Páscoa é o ápice da intenção de reflexão do cristianismo. A fé cristã nos ensina que Cristo é a verdade. A Páscoa é quando o Filho de Deus morre como criminoso, seu poder é revelado na fraqueza e a sua vitória na entrega.
Dessa forma, o cientista e o homem de fé buscam ambos a verdade, ou seja, o mesmo fim. Contudo, capturados pelo pântano da ignorância, muitos afirmam que essa busca se dá por vias irreconciliáveis: será isso mesmo?
A busca pela verdade, através do processo de conhecimento humano, necessariamente parte de alguns pressupostos universais que não podem ser provados previamente: que a realidade existe e é ordenada; que o raciocínio lógico é válido; que nossos sentidos e instrumentos podem captar aspectos verdadeiros do mundo e que a mente humana é capaz de compreender essa realidade. Esse conjunto de pressupostos é o que chamamos de fé epistemológica. Sem essa fé mínima, nem a ciência seria possível.
Esse é um conceito de fundamental importância, pois a existência da fé epistemológica, fé não religiosa, nos permite compreender que a fé religiosa também é razoável, pois mostra que a vida não se baseia só no que é demonstrável.
Esse raciocínio demonstra que a ciência e a religiosidade utilizam a fé como um instrumento na busca pela verdade.
Ao reconhecer que pouco sabe, o cientista avança em direção à verdade, pois parafraseando Karl Popper, filósofo austríaco de família judaica, a ciência progride por conjecturas e refutações — não por certezas definidas. Para Clemente Ivo Juliatto, emérito educador: “nossos maiores progressos científicos e filosóficos são apenas migalhas de saber diante da grandeza do cosmos [...] Há apenas duas atitudes justificáveis: humildade e veneração.”
Já na fé ao crer e confiar sem ver, aceitar mistérios que não cabem no aparato lógico, ao aceitar a Cruz e entregar a vida, Cristo revela a verdade. Nesse caso, a humildade é a condição si ne qua non da transformação, pois a entrega na Cruz pelo filho de Deus necessariamente implica em humildade.
Perceba que essas duas ações — a do cientista e de Cristo — são unidas por um elo único, denominador de ambos: a humildade.
Reconhecer que a humildade é o caminho para chegar ao conhecimento da verdade não é uma eureka hodierna, Agostinho de Hipona, ou Santo Agostinho, já afirmara que existiam três caminhos para isso: "o primeiro é a humildade, o segundo é a humildade e o terceiro, a humildade".
E a humildade é uma afável companheira do médico, pois como bem relembrado por Ricardo Schulz, “...somos íntimos da indesejada das gentes, ao mesmo tempo nosso fardo e nossa salvação. Ela nos salva de nós mesmos, coloca-nos em nosso devido lugar, onde impera a humildade e o respeito dos nossos limites. Somos tudo; e em nada nos tornamos.”
Se na busca pela verdade — seja pela ciência ou pela religião — a fé é instrumentalizada, é somente pela humildade que ela pode ser alcançada.