Medicina, ciência e arte.
Uma visão moderna da tensão e a conexão entre as faces da Medicina que se entrelaçam, como a serpente no cajado de Esculápio.
A afirmação da Medicina como Arte (ambas em inicial maiúscula) contém em si uma contradição intuitiva: de que maneira uma profissão que se baseia em acúmulo milenar de conhecimento, mais recentemente científico, pode incluir, ou se permitir a inclusão do intangível, imensurável ou indistinto conceito de Arte? Para Fernando Pessoa “os homens não sabem mais que os animais; sabem menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.” Preenchemos esse vazio do saber com o que chamamos de arte em suas diversas formas. Não deveriam os médicos admitir somente, e tão somente, a possibilidade de variáveis quantificáveis, mensuráveis estatísticas para o estudo e a prática correta e ética da profissão?
Não seriam nossas anatomia, fisiologia e patologia passíveis de tal descrição minuciosa e previsível de causa e efeito, assim como seus desvios, derivados do ambiente e intrínsecos ou genéticos? Neste caso, seria questão de tempo a compreensão completa, mecanicista, do nosso funcionamento orgânico, cartesiano.
A máxima ciência da medicina seria assim a previsibilidade total desde a concepção. Mas, ainda assim, minúscula, pois nua em sua essência, aleijada de seu propósito primeiro. Curar quando possível, aliviar quando necessário, consolar sempre. O preceito hipocrático milenar resume as ações e intenções do bom médico. Para atingi-las, ciência é necessária, mas insuficiente; é a arte médica no sentido não plástico, mas humanístico, que alivia e consola. Reconhece o outro como um fim em si mesmo, um universo próprio e completo, único.
A medicina privada de sua ciência não passa de charlatanismo, mercador de falsas promessas; porém alijada de sua arte humanística é frio tecnicismo que trata de doenças, não de doentes, onde o paciente pode ser reduzido a apenas um número vil, sem rosto.
Agora, se refletirmos quanto à evolução da medicina, não há a menor dúvida quanto ao progresso científico; porém evoluímos no cuidado humano, consolando e acalentando o próximo em seu sofrimento?
Não estou certo quanto a resposta da última questão, suspeito que não estamos caminhando ao rumo certo. Observo um distanciamento em nossas emoções, terceirização dos cuidados e responsabilidades, em consequente perda de autonomia e prejuízo nas decisões nas relações mais íntimas entre os seres humanos - desde o momento da concepção e nascimento até a morte, o médico representa aquilo que aquela sociedade, daquela época, reflete sobre a existência humana. Se estamos sofrendo, como paciente e também como médicos, é um sinal deste nosso tempo. O que virá depois?