No início primordial de cada mortal ou divino, mesmo antes de seu nascimento, Eu, com a roca e o fuso, teço o fio da vida em novelo no seu menor íntimo; escolho quem nasce, ou renasce. Fiandeira, observo o destino inescapável da humanidade Personifico a predestinação escrita no interior do seu núcleo — em dois longos fios, mais finos que a delicada seda, trançados e entrelaçados em dupla hélice. Conheço seu início, meio e fim. Mas não se deixem iludir: o fio da vida não é uma corda ou corrente que aprisiona. Vocês serão julgados pelas escolhas e ações últimas ao longo do caminho. Somos Moiras, portanto dividimos nossos quinhões da vida de cada um de vocês, mortais ou deuses. Eu leio o fio da vida, do início ao fim, assim como as escolhas que os moldam. Não nos culpem pelas suas tragédias. Os nós, vocês o fazem, sem nós. Reúno no meu fuso a vida inteira de cada ser — esta é a ordem e o equilíbrio natural. Somos as repartidoras dos destinos: moira é a parte, moîra moros é o destino, moîran para os antigos E se com mérito o vivenciarem, graça lhes atribuiremos; ou condenação, se não a tiverem. Chamem-nos de as Parcas ou Fata — nosso nome tardio. Transmutem-nos em Fates para entender. Para nós não há distinção entre passado, presente e futuro; o que há sempre esteve e sempre estará, e somente na Taverna entrelaçamos os três, para que fios antes impossíveis de se encontrar o façam pela nossa vontade e da Sabedoria, em comum acordo. Eu sou Cloto, a primeira das três irmãs; examine o seu íntimo e me encontrará. R.T. Schulz
A mesa principal, de centro, estava com suas confortáveis cadeiras Vitorianas com estofado xadrez apenas parcialmente ocupadas. Como adorno, um delicado cristal de Murano com clareza e brilho notáveis, e finos ramos de Oliveira. Dois dos seis lugares ainda aguardavam seus convidados especiais, o que na verdade não indicava descortesia ou desprestígio, pois nada, absolutamente nada do que acontecia na Taverna era imprevisto ou desconhecido pelos proprietários. Na falta há também uma oportunidade, e a conversa entre as quatro personalidades presentes, antes tímida, agora fluía naturalmente, como se fossem velhos amigos.
A questão do tempo ali era realmente complicada, e a falsa impressão de um contínuo e constante espaço-tempo que os mortais têm impresso em suas mentes era inevitavelmente ignorada naquela Taverna.
Aliás, dois dos fregueses ali presentes entendiam as bases para a compreensão adequada em princípios físicos deste fenômeno, o que não tornava a experiência de estar ali, naquele… lugar, menos extraordinária.
Então, por mais que os convidados fossem por definição estranhos na maioria das vezes, todos se conheciam profundamente tal qual duas crianças que partilharam da infância juntas. Isto ocorria porque quem conhece as ideias de alguém conhece-o de mente aberta, e como logo percebem, todos ali foram, são ou serão personagens importantes, de uma ou outra maneira, para a humanidade.
Mas o ser humano tem o irritante costume de se adaptar rapidamente ao extraordinário, especialmente quando consideramos mentes brilhantes, que ponderam e refletem constantemente. As mentes inquietas o são internamente, porque percebem no universo, interno ou externo, o que a mente comum não consegue apreender; contudo, como regra raramente transparecem a efervescência natural que possuem. Por óbvio, há exceções que confirmam a regra, como logo veremos.
O garçom servia os pratos em sentido horário, respeitando a tradição, anunciando solenemente a escolha de cada cliente assim como o seus nomes. A partir deste momento, o debate se iniciava, pois se acreditava que o modo de fazê-lo era tão importante quanto o que se fazia. Mas não se enganem, o formato jamais impediu ou dificultou a elaboração de alguma ideia ou argumento; apenas emoldurava os momentos para melhor apreciação, presente ou futura.
O primeiro a ser servido, o mais velho dentre os convivas, vestia um suéter solto sobre camisa xadrez clara, e com seus cabelos grisalhos desgrenhados, vagamente fotogênicos, abriu um sorriso sincero e simpático ao receber o seu prato, que apesar de simples, parecia lhe agradar sobremaneira:
- Tradicional Schnitzel com salsichas suínas ao molho mostarda. Sr. Albert Einstein.
O segundo, ao seu lado, mais novo, próximo dos quarenta anos, havia deixado o pesado casaco nos ombros da cadeira, exibia os cabelos negros rigorosamente penteados para trás, respondeu com a fronte franzida o seu pedido:
- Couscous com robalo grelhado e acompanhamentos. Sr. Albert Camus.
O terceiro, situado na diagonal defronte a Einstein, homem de meia-idade, portava um suéter de lã de gola rolê sobre camisa escura, óculos um pouco exagerados para seu rosto mais delicado. Parecia entusiasmado, seja pela iguaria que se apresentava, seja pela presença do seu colega sentado à sua frente.
- Frutos do mar com lagosta à Thermidor. Sr. Carl Edward Sagan.
O último à mesa, ao lado de Sagan, cabelos escuros e vasto bigode, de aparência frágil e físico débil, porém com olhar penetrante. O seu paletó escuro e colete lhe conferiam um ar de formalidade involuntária.
- Sopa de legumes simples, conforme o pedido. Sr. Friedrich Wilhelm Nietzsche.
Ao que o garçom anuncia: - Senhores, que tenha início o banquete! “Pensar é viver, e sentir não é mais que o alimento de pensar.”
Esse ensaio é a continuação de “A Taverna”, não deixe de conferir como tudo começou.